João Silveira
Bettencourt
(04/04/1896 –
12/11/1980)
João Silveira Bettencourt era o
filho mais velho de Manuel Maria Bettencourt e de Maria das Neves Silveira
Bettencourt. Nasceu na freguesia da Luz e, por ser bom aluno, sempre quis
estudar, apesar de seu pai ser um modesto agricultor e os seus dois irmãos
quererem seguir as pisadas de seu pai.
Como era habitual naquele tempo,
para completar os seus estudos teve de se deslocar para Angra do Heroísmo para
aí frequentar o Liceu. Mais tarde acaba por tirar o curso de Professor na
Escola do Magistério Primário daquela cidade, profissão que nunca chegou a
exercer.
Ofereceu-se para cumprir o
serviço militar, tendo ingressado na Escola de Oficiais. É aqui que descobre a
sua verdadeira vocação.
Foi Comandante da Guarda Fiscal,
na cidade da Horta, e, depois, segue para uma comissão em Lisboa, com a patente
de Tenente da Guarda Nacional Republicana, ficando a residir no Quartel do
Carmo.
É a partir daqui que o Tenente
João Silveira Bettencourt inicia um processo de luta pela democracia e pela
liberdade, que lhe terá custado 3 anos, 1 mês e 1 dia de deportação e de
prisão. Este período da sua vida, de provação e cárcere, foi minuciosamente
registado num documento a que deu o nome de “Diário de um Deportado Vítima do
Totalitarismo da Época”.
Em março de 1926 o Tenente João
Silveira Bettencourt decide revoltar-se devido à situação social do país e aos
desentendimentos existentes entre os partidos políticos de então. Os revoltosos
instalam o seu quartel-general na Travessa do Salitre. Os comandos
revolucionários são constituídos pela Companhia da Estrela da Guarda Nacional
Republicana, a Companhia das Janelas Verdes, a Companhia de Alcântara e a
Secção de Metralhadoras Pesadas, comandadas pelo Tenente João Silveira Bettencourt.
No dia 9 de fevereiro do ano
seguinte, os revoltosos rendem-se, por volta da 20 horas, porque, como
escreveu,” lhe faltaram as munições e por ser impossível a meia dúzia de gatos
pingados vencermos toda a guarnição de Lisboa, a maior parte toda comprometida”.
É preso, pela primeira vez, por
dez dias, três deles incomunicável como era praxe. Descreve esse momento no seu
diário com alguma frieza, afirmando “Como é horrível experimentar, sem ser
criminoso, por dez dias, a vida de penitenciário. Só faltava o número nas
costas! Tínhamos chamadas, portas fechadas todas as noites pelos guardas, etc.,
etc.”.
A 20 de fevereiro de 1927 sai da
cadeia e a bordo do N/M Lourenço Marques é levado até à Guiné Portuguesa,
viagem que, curiosamente, teve a sua primeira escala na Ilha Terceira, muito
perto da sua terra natal.
Na Guiné esteve deportado em
Batafá, Bissau e Bolama. Detestou esta terra e isso está bem patente no seu
diário quando escreveu “Estive na maldita Guiné de mexericos, intrigas e
invejas 15 meses e 25 dias”.
A 27 de junho de 1928 inicia,
finalmente, a viagem de regresso aos Açores, passando pelo Funchal onde se
reúne com a esposa e o filho. Curiosamente a sua família ficou sempre no
Quartel do Carmo, protegida pelos seus camaradas de armas. Chega à Ilha
Graciosa, para onde foi mandado residir, a 14 de julho desse mesmo ano.
A 2 de abril de 1929 embarca para
Lisboa, por ordem do regime, a fim de ser julgado. A sentença atribui-lhe 12
meses de prisão e a igual tempo de multa a 2$50 por dia. Cumpre a prisão na
Torre de S. Julião da Barra de 4 de maio de 1929 a 11 de julho de 1930.
Depois de cumprida a reclusão
regressa à sua terra natal, onde chega a 15 de agosto de 1931.
Nesse mesmo ano, e por continuar
insatisfeito com o regime da altura, participa na Revolta dos Açores, tomando
as ilhas Graciosa, S. Jorge e Pico, a bordo do rebocador Milhafre com peças de
artilharia amarradas com arames. Saíram do Porto da Folga até Santa Cruz,
seguiram para Angra do Heroísmo, onde os revoltosos foram muito bem recebidos,
depois para a Velas e Cais do Pico. Mais uma vez teve de se render “sem
condições por falta de meios e apoio militar vindo de Lisboa”.
Foi novamente deportado, desta
vez para Cabo Verde, onde permaneceu 7 meses e 20 dias. Em janeiro de 1932
regressa à Ilha Graciosa, tendo-lhe sido aplicada a medida de residência fixa.
Mais tarde regressa à cidade da
Horta, onde “assiste” à revolução de 25 de Abril de 1974 pela rádio. Dizem os
seus familiares que ao conhecer o desenlace da revolução dos cravos “chorou
como uma criança pequena”.
Em 1975 é promovido a Capitão e
passado à reserva, facto que o desagradou imenso. A luta que encetou contra a
ditadura e o desprendimento que sempre demonstrou quando lhe eram oferecidos
cargos em troca do seu silêncio, exigiam outro tratamento por parte do Estado.
Nesta cidade dedicou-se à
contabilidade. Fez parte, também, dos corpos sociais e foi sócio efetivo de
inúmeras instituições de solidariedade social, desportivas e culturais, como o
Hospital da Santa Casa da Horta, o Amor da Pátria, o Lar das Criancinhas da
Horta, o Grémio Literário, a Artista Faialense, a Filarmónica Artista
Faialense, a Filarmónica a União a Filarmónica da Praia do Almoxarife, do
Angustias Atlético Club, do Fayal Sport Club, do Sporting Clube da Horta e do
Clube Naval da Horta, entre outros. Foi, também, sócio da Liga Portuguesa dos
Direitos do Homem.
Escreveu também para vários
jornais com a Gazeta de S. Miguel, o Alma Nova e foi redator do jornal
republicano Pátria Livre, além de colaborações nos jornais locais. Gostava
também de escrever poemas.
Diz quem o conheceu que era um
excelente conversador, mas nunca sobre si ou sobre a sua intensa atividade
política, tal era a sua humildade. Apesar de marcado por anos de sofrimento era
muito afável no relacionamento com os outros. Além da coragem que colocou na
sua luta pela liberdade e pela democracia o Capitão João Silveira Bettencourt
era conhecido por ser muito íntegro e sensato.
Nota: nesta simples crónica
utilizei os dados mais marcantes do imenso diário que o Capitão João Silveira
Bettencourt deixou e também algumas anotações feitas pelo seu filho e pelo seu
neto, que me foram gentilmente cedidas.